Resumo:
Psicanálise e os ensinos de Jesus têm vários pontos em comum: cura da alma, proposta que apontam para relacionamentos saudáveis entre pessoas, importância do perdão, dentre outras. Tanto a proposta psicanalítica honesta como as doutrinas e filosofias ensinadas por Jesus apontam para uma saudável qualidade de vida. Ambas podem, nas suas áreas respectivas e, também, principalmente, nos pontos convergentes se complementarem.
Palavras Chaves: Psicanálise, Sermão do Monte, Bem aventuranças
Abstract:
Psychoanalysis and Jesus' teachings have many things in common: soul healing
and proposals that aim to establish healthy relationships between people. Both
the honest psychoanalytic proposal and the philosophical doctrines taught by
Jesus point to one's healthy life quality. Both areas can
complement each other at their respective points of convergence.
Introdução
Não estarei dissertando de imediato sobre as Bem Aventuranças, conteúdo
central da proposta na introdução do Sermão do Monte. Contextualizarei a missão de Jesus.
Ele estava inserido em um
contexto de opressão religiosa, estabelecida pelo autoritarismo eclesiástico judaico, agravada pelo jugo, não menos opressor, do Império
Romano; domínio este que ocupava quase toda Europa, norte da África e boa parte
da Ásia.
Também é imprescindível refletir a religião como força
institucional de poder não só místico-espiritual, teológico, mas, também
político. A religião que é considerada, às vezes com muita legitimidade, sinônimo de
repressão, opressão, controle, motivadoras e, até gatilhos de guerras.
A religião, para os mercenários, é considerada fonte de lucro
fácil, e quase sempre tem ligação com poder opressor. Alienante, idiotizantes,
conservadorismo, retrocesso...
As estruturas religiosas e seus controladores, com interesses de
poder, fama, monetários, na grande maioria dos casos não condizia com seus
iniciadores, ou àqueles que usam indevidamente seus ensinamentos, filosofias,
doutrinas, seus pensamentos.
É importante marcar posição quanto a verdade que os ensinamentos
do Jesus, o Cristo, foram deturpados. As promessas quanto a vida eterna,
referentes a transformações e conquistas individuais.
A ideia de paraíso, dentre outras, foram e são “produtos”
caríssimos, sonhos de todos.
Mercenários, falsos sábios, profetas, filósofos, sacerdotes,
falsos padres, bispos, pastores...
Perceberam a preciosidade da mensagem, passaram a escolher só aspectos,
partes do todo; selecionaram só o que era confortável; deturparam e
acrescentaram o que era conveniente ao domínio e passaram a vender, a
manipular, a controlar, a oprimir, a matar, tudo em nome de Deus. Ainda está
sendo assim, mas, não foi assim que o Cristo agiu, muito menos ensinou.
A mensagem de Jesus é de cura e libertação, principalmente na
alma.
Ele é específico em sua doutrina, é
exemplo em sua vida. Não se adequou a estruturas de poder político na terra,
não se amoldou a ideologias;
Desmontou, com sabedoria, a religião judaica, revolucionou a
percepção, a prática da relação com o Criador, com Deus.
Jesus colocou em cheque os princípio religiosos atrelados às
regras impostas, às leis; falou de um poder maior, autêntico, interno, gerado,
orgânico;, de um poder transformador, que passa a ser inerente,
espontâneo, natural.
Poder oriundo do interior do ser humano, um germe aflorado,
nascente, do não é, do não existe, do outro mundo, de outro reino, do mundo
chamado espiritual. Um poder transformador de outro domínio.
Quando ele diz: “meu reino não é
deste mundo” (Jo.18.36), queria dizer que era de outro plano, com outros valores,
outras ideologias, outros parâmetros; e que veio para estabelecer novo
conceitos, novos paradigmas, uma nova ótica e perspectiva.
Jesus propôs uma reforma: antes de
ser social, uma reforma no indivíduo, uma mudança interna, na mente, nas
emoções, na alma, no caráter, na estrutura do ser, do ente.
Com base nos dilemas apresentados, dentre outros, irei analisar as
Bem Aventuranças do Sermão do Monte como o foco principal do artigo. Tomaremos
como base a versão de Mateus, primeiro livro do Novo Testamento, entre os
capítulos 5 e 7. Farei uma análise à luz da exegese bíblica com as teorias
psicanalíticas.
Farei, também, um paralelo entre a
teologia de Moltmann e a psicanálise. Se Freud sinalizava que a pessoa
necessita de libertação da ilusão, enxergando, consequentemente, admitindo que
está sozinho e sem amparo, esta sensação de desamparo seria evidência da
maturidade que se estabeleceu, amparada no sofrimento de Jesus Cristo1.
Preliminarmente será exposto, alguns
elementos históricos acerca de Jesus, como personagem importante na idade
antiga, e não só o sujeito central de uma grande religião; expor a filosofia de
Jesus como pertinente, como fundamento para uma vida psicologicamente saudável,
se obedecida e seguida.
1. O Jesus do sermão, personagem histórico
Antes dos ensinamentos de Jesus,
entendo que há a necessidade de destacar, resgatar e enfatizar o Jesus
histórico, ser humano notável que viveu na região, hoje chamada de Palestina,
marcando e dividindo a história, principalmente a do Ocidente.
As evidências e provas do Jesus
histórico atenuaram os argumentos dos céticos e incrédulos como o próprio Tomé,
apóstolo de Jesus, ele não acreditou em sua ressurreição, apesar das mulheres e
dos outros 10 apóstolos terem o visto.
Da mesma forma que Tomé exigiu
provas de sua ressurreição é, natural que os historiadores busquem provas da
existência de Jesus. Eles não devem concordar, sem evidências, acerca da
existência histórica de Jesus, baseado somente nos escritos sagrados e na
opinião dos teólogos e líderes religiosos, mas em evidências eventualmente
arqueológicas, em outros livros além das escrituras religiosas, principalmente
o Novo Testamento da Bíblia cristã. Há relatos sobre Jesus também no Alcorão.2
A prova maior da existência de Jesus
como personagem real na história da humanidade, não são evidências físicas,
tais como ossadas ou um túmulo. Se outros personagens históricos tivessem que
passar por este crivo 90% não seriam reconhecidos como verídicos.
O argumento mais plausível aceito
pelos pesquisadores são as múltiplas confirmações. Escritores diversos,
isolados um do outro, trazem informações semelhantes sobre o mesmo personagem.
Flávio Josefo é um historiador do
século I ‑ judeu, não cristão que trouxe narrativas claras sobre Jesus em seus livros3.
Outras fontes não cristãs que citam
Jesus em seus documentos e livros: Cornélio Tácito - governador da Ásia (56-120 d.C.); Mara Bar-Serapion. Filósofo estoico da
província romana da Síria; Luciano de Samosata. Filósofo e escritor grego,
satírico (125-181 d.C.), dentre outras dezenas de escritores e historiadores
dos dois primeiros século d.C4.
Uma excelente obra apologista que trata sobre a historicidade de Jesus, dentre
outras análises, é o Livro Mais Que Um Carpinteiro de JOSH McDOWELL, Editora Betânia (1980).
2. As Bem Aventuranças e a
Psicanalise
A proposta de ‘ser mais que feliz’
No original
grego koinê - μακάριος, α, ον, transliteração: makarios, Aa tradução na língua portuguesa para
a expressão é: ‘bem aventurados´. O sentido mais próximo para um entendimento
atual melhor seria ‘mais do que feliz’. Mais que feliz é uma hipérbole do viver
bem, ser felicíssimo.
Uma boa
introdução, que certamente chamou a atenção da multidão, embora o discurso, o
sermão, a mensagem era dirigida para os discípulos, para os seguidores do jovem
mestre.
A
percepção freudiana quanto a felicidade é
concomitante na busca pelo
prazer e o bloqueio do desprazer.
O filósofo Aristóteles afirmou que a felicidade é o objetivo principal e o maior bem das ações
humanas.
E
para Jesus? Ser feliz em um contexto de opressão social e
econômica. Um povo miserável subjugado por um domínio opressor, o Império
Romano. Realidade de desigualdade social gritante, perspectiva e expectativa de
vida baixíssima.
A plateia, que o
ouvia era composta por pessoas doentes fisicamente, doentes na alma na sua
grande maioria; repito: oprimidas socialmente, emocionalmente espiritualmente.
Ser feliz é o
que eles queriam e o que a humanidade busca até hoje.
Qual a fórmula
da felicidade? Jesus trouxe a receita?
Neste artigo
analiso algumas destas bem aventuranças na perspectiva neotestamentária (Novo
Testamento da Bíblia cristã), com foco principalmente nas bem aventuranças do
Sermão do Monte, tendo a teoria psicanalítica como objeto reflexivo e, ou, como
contra ponto.
2.1 Mais que felizes são os humildes
Mais do que
felizes são “os pobres de espírito” (?! ), (Mateus 5.3). O que significa isto?
Como pode alguém pobre ser feliz? O que Jesus queria ensinar com esta
expressão?
Humildade,
segundo Freud: “Aquele que ama se faz humilde.
Aqueles que amam de alguma maneira renunciam a uma parte do seu narcisismo5.”
A
humildade também é o
reconhecimento de nossas limitações. Quando reconheço que sou pobre de
espírito, expressão utilizada por Jesus no objetivo de fazer com que seus
seguidores se enxergassem e percebessem
suas limitações; um autoconhecimento verdadeiro e necessário para o crescimento
pessoal.
A
frase de Freud faz um contraste entre humildade e narcisismo. No reconhecimento
das limitações aliado a capacidade que podemos ter de superação, pode-se colocar o narcisismo inerente,
na utilidade correta.
Como se expressou
T. S Eliot “A única sabedoria a que podemos aspirar é a sabedoria da humildade:
a humildade é infinita6.”
Jesus conclamava aos discípulos o
‘auto enxergasse’, perceber-se em verdade e, neste autoconhecimento
inexoravelmente serem humildes. Sem a humildade não se pode pregar a mensagem
de Jesus, não se pode ser seu discípulo.
2.2 - Mais que felizes são os que choram
Bem-aventurados os que choram, porque eles serão
consolados (Mateus 5:4).
O choro é um verdadeiro escape, descarga emocional, natural nos
humanos desde o nascimento até a morte; e é provocado pelas mais diversas
reações emocionais, desde a alegria até a tristeza
Segundo a pesquisadora e
psicóloga clínica no Instituto Black Dog ao The Huffington Post
Austrália. Aliza Werner-Seidler: "Chorar pode nos fazer muito bem. O choro
oferece uma saída para a emoção e nos ajuda a comunicar nossos sentimentos e
emoções".
Betina Lejderman
se expressa assim sobre a temática choro: “Apesar de muito presente na prática
clínica, é pouco mencionado na literatura médica7. ou
existe uma lacuna preocupante quanto ao tema ou não está devidamente abordado
no contexto teórico da psicanálise.
Quando Jesus afirma que são bem aventurados os
que choram, ele quer dizer: que bom que você é humano, sensível, empático, e solidário com a dor do outro. No contexto do sermão
e na proposta geral da mensagem, ele intencionava comunicar que os que
sofriam teriam compensações na vida além, no paraíso (objeto de fé). Ademais a
proposta de Jesus: vida ética na terra, mas com expectativa de vida após a
morte.
É preciso sensibilidade, solidariedade, identificação com a dor do
outro para ser discípulo de Jesus. Só os minimamente curados e/ou transformados
podem ser.
2.3 - São felizes os mansos
Bem-aventurados
os mansos, porque eles herdarão a terra; (Mateus 5:5) A
definição comum de mansidão: é a qualidade daquele que é pacifico, brando, e
que é investido de moderação nas atitudes. Ser manso é o contrário de ser rude e, ou
agressivo. Esta é uma palavra que aparece em alguns textos bíblicos,
e, antes de expressar-me sobre a mansidão comportamental, na atitude à luz da
psicanálise, faço entender o que é mansidão na perspectiva bíblica no Antigo e
Novo Testamentos.No Antigo Testamento a expressão mansidão vem do
hebraico anawa, e significa
inclinar, “estar curvado” e “condescender”, no sentido de submissão, por isso a
palavra implica, principalmente, a ideia de “ser despretensioso” de “ser
submisso”. Submissão é está comprometido totalmente a uma missão, um objetivo.No
Novo Testamento o significado é mais contundente e grave no que diz respeito a
uma renúncia total em prol de uma causa, a palavra mansidão indica, uma atitude de completa
submissão a Deus e a Sua Palavra (Tiago 1:21). “Acolhei,
com mansidão a palavra pregada”, ou seja: se
submeta em praticar a palavra e fazer seguidores da mesma, através de
sua vida, de suas expressões, e sua fala.
Jesus promete um
prêmio: a terra como herança para os mansos algo de suma importância para os judeus. Eles passaram
muitos séculos sem terra, sem pátria, várias diásporas, sem mencionar quase
dois milênios espalhados por todo mundo, após Cristo, ( DC).
Na época de Cristo a
ideia de diásporas, exílio, servidão era muito forte. Para quem ouvia o sermão
era motivador, por demais. A expressão “herdarão a terra”. Estabilidade, segurança. Os
discípulos entendiam assim: Estejam submissos à minha vontade e serão premiados com tudo isto.
A mansidão
no conceito usual vem com uma certa deturpação, como mencionei no início das
considerações introdutória da temática em foco. O submeter-se a uma ideia, para
Jesus, envolvia, implicava sujeição a um comando, uma hierarquia, mas não, sem,
antes questionar, não obrigado, subjugado, mas, voluntário por ser uma missão
que vale a pena fazer parte dela, se preciso for até morrer por ela. “Se você
ainda não achou uma causa pela qual valha a pena morrer, você ainda não achou
razão de viver.” Frase emblemática do Rev.
Martin Luther king.
O
Martin Luther king, assim como Gandhi, praticante e defensor da resistência
pacífica, são exemplos do como ser e agir com mansidão. O Dr. King foi submisso
a um ideal cristão, na luta contra o racismo, pelos direitos civis, com
postura pacifista em sua estratégia de ação; Gandhi foi o grande líder no
movimento pacifista pela independência da Índia do império Britânico no
pós-Segunda Guerra Mundial.
Como
ser submisso-manso? O que a psicanálise aborda?
Schopenhauer faz menção a mansidão sábia face à “tragédia da vida” na
qual o ser humano ocupa uma posição passiva, onde a ele cabe apenas liquidar ou
“abafar” sua vontade de viver para evitar uma vida com maior sofrimento.
“Querer é essencialmente
sofrer, e como o viver é querer, toda a existência é essencialmente dor8.”
Uma mansidão conveniente, passiva,
para evitar maiores desgastes.
O contrário mansidão é a agressividade. Nos estudos da
psicanálise o ser agressivo tem como características uma reformulação frequente
na intenção de agredir alguém. Esta postura está ligada a pulsão de morte. A percepção de que as atitudes violentas relacionadas
a agressividade são sempre atravessadas
pela pulsão, e estão vinculadas totalmente com a sexualidade perversa da qual Freud
explica em Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade9.
No que se refere às
expressões da pulsão de morte na dimensão social, Freud, em 1913, constrói seu
texto Totem e Tabu explicitando o complexo de Édipo. Através deste livro,
pode-se fazer uma análise mítica da agressividade, percebendo a mesma como
alicerce da cultura. “O parricídio é escolhido como a ação responsável pelo
advento da sociedade e de suas leis reguladoras: a lei de proibição do incesto,
do ‘não matarás’, os fundamentos das religiões monoteístas e das instituições
sociais” (Freud, Sigmund, 1856-1939. Obras completas, volume 11 : totem e tabu,
São Paulo: Companhia das Letras, 2012.)
Para Jesus a afirmação da lei, no caso a judaica,
era importante. O “não mataras”, inibe, reprime, com as penas proporcionais à época para os que infringiam
a referida lei.
A mensagem para os discípulos
era de um padrão superior a Lei. Não só não matem, mas amem o inimigo ou seja trabalhem o interior de
vocês contra sentimentos de ódio, quem odeia já e assassino (Mateus 5.21,22)..
Ou seja, reprimir
a agressividade não é o caminho, mas, sim tratar os sentimentos, os
traumas e as motivações internas. Para serem discípulos de Jesus seria
necessário a mansidão autêntica vinda de uma estrutura de pensamentos,
sentimentos e motivações minimamente resolvidas e a solução está dentro, na
alma, berço do inconsciente, pré-consciente e consciente.
2.4 - São mais que felizes os
que lutam por causas da justiça
“Bem-aventurados os que têm
fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”, (Mateus 5:6).
Sede e fome duas palavras chaves, duas
necessidades vitais, colocadas de propósito, juntas. Água e pão são fundamentais
para a vida. Discípulos de Jesus precisavam encarnar que a justiça para os
pregadores do amor era tão vital como pão e água, também se indignarem com a
injustiça ao seu redor, ou onde ela se manifestasse. A indignação vem como
reação a partir de uma percepção racional, cultural, de cosmovisão conceituada
numa consciência já entranhada, gerada pelo aprendizado de valores elevados.
Não se pode ver semelhantes passando fome, sendo injustiçado de qualquer forma,
sem uma ação-reação de denúncia de protesto, de resgate.
Jesus tinha uma preocupação, um
comprometimento no combater a injustiça social evidente, contundente. Em diversas
passagem relatadas no Novo Testamento isto fica muito claro.
Uma pessoa que tem sede e fome de justiça está
calcada em valores saudáveis
O lema que constituí o Estado moderno: “todo homem nasce livre e
igual”. Só a partir desse preceito é que um psicanalista, em sua prática,
procurará meios de liberar um sujeito de toda relação hierárquica de submissão
e dependência em relação a outro homem; ao mesmo tempo em que a prática da
psicanálise nos ensina que a igualdade entre os homens é um ideal, logo, é impossível.
Toda liberdade e toda
igualdade serão sempre limitadas pela desigualdade dos sexos, pela desigualdade
entre as gerações, pela desigualdade entre os sintomas10”.
A mensagem de Jesus, ao longo de sua curta passagem na terra, fala
de justiça no sentido amplo, quando ele faz a conclamação do amor ao próximo: “Um novo mandamento vos dou: Que
vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros
vos ameis” (João 13:34).
Quem ama não escraviza, não explora, não é
injusto. Mesmo sendo este mandamento de Jesus universal, tem de ser destacado,
principalmente, na dimensão da justiça social.
Expressão de Lacan “Amar, é dar o que não se
tem”. O que quer dizer: amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro,
colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os bens, os presentes: é dar
algo que não se possui, que vai além de si mesmo11.
2.5 - Mais que felizes são os que perdoam
Jesus afirmou: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque
eles alcançarão misericórdia (Mateus
5:7)
Ter misericórdia está relacionado com compaixão,
em dá mais uma chance. Se alguém errou com você, perdoe. Para tanto uma
compreensão necessária que leva a atitudes solidária, amável, longânimes,
empáticas.
Jesus argumenta de forma repetida e clara, com
uma contundência forte sobre a misericórdia no Sermão do Monte. Orienta a amar
o inimigo, a abençoar o inimigo. Nesta dimensão ainda, se identifica com o
próprio carente, com o miserável, quando ele afirmou: “Se você ajuda a uns dos
pequeninos ajudou a mim” (Mateus 25.35-45).
Mas, a ênfase maior do
Sermão do Monte, no entanto, é sobre o perdão. Na oração do Pai Nosso, o perdoar
o outro, é condição para se obter o perdão de Deus.
A pergunta é: Qual a
vantagem de perdoar? É provado que o não perdoar aumenta
as tensões, pode provocar hipertensão, mina o sistema imunológico, dentre
outras enfermidades psicossomáticas: A guerra nunca acaba dentro de si. Perdoar é o ato deliberado de
abrir mão da mágoa ou do desejo de que o outro seja punido.
Jesus sabia que é a melhor saída,
melhor alternativa o ato de perdoar, embora tudo tem um preço, toda decisão tem
consequências, a melhor opção é perdoar. Como os discípulos do amor poderiam
pregar a mensagem sem uma estrutura para o perdão?
Na psicanálise o perdão é tratado de
forma séria e como importante para a cura emocional. Segundo Kehl, o ressentido
encontra-se impossibilitado de se implicar como sujeito do desejo. O ressentido
é aquele que não quer esquecer, perdoar, não deixar para trás o mal que o
vitimou. Podemos pensar, então, o delinquente como alguém que é ressentido
antes de cometer o ato de delinquência. O delinquente não se sente culpado
pelos atos reprovados, mas por razões mínimas como, por exemplo, não ter
enviado dinheiro para sua mãe12.
Jesus sabia que seus discípulos não
iriam muito longe com a sua mensagem se não estivessem curados na alma, sem ressentimentos,
muito menos ódio e sem a capacidade de perdoar os que, inevitavelmente, na
trajetória, o ferirem.
2.5.1 - A relação do perdão com a cura interior
A proposta de Jesus confrontava a
orientação da lei judaica. Não mais olho por olho e dente por dente, mas dar a
outra face, não mais apedrejar, mas perdoar;
Um das maiores ênfases do Sermão do Monte é o perdão. Perdoar quem
te feriu, perdoar o inimigo, mais que isso: amar o inimigo, fazer o bem a quem
te fizer o mal (Mateus 5.43-44).
Qual a intenção de Jesus nesta orientação? Mais do que não
revidar, é não odiar, não desejar o mal.
Até onde o rancor, a mágoa, a amargura, o ódio afeta o bem estar
interior de uma pessoa? Na mente, nas emoções?
Dependendo do nível de assimilação à frustração, o ser humano
quando não encontra a capacidade de perdoar estar carregando ressentimentos com
consequências psicossomáticas inevitáveis. Isto pode trazer um comportamento
com lamentos e queixas indeterminadas, memórias engessadas da experiência da
mágoa, agravado com rancor e falta de alegria frequente, como se fosse vítima
da injúria, trazendo desestabilidade egóica.
Como
expressou-se Julia Kristeva em seu livro O Sol Negro: depressão e melancolia: “Podemos nos perdoar elevando, graças a alguém que
nos ouve, nossa falta ou nosso ferimento a uma ordem à qual estamos certos de
pertencer, e eis-nos com garantia contra a depressão13”.
2.6
- Mais que felizes são os misericordiosos.
Em
uma das enumeras provocações feitas pelos fariseus, saduceus e escribas,
adversários mortais de Jesus, estes controladores da religião judaica. Jesus
era tido como uma ameaça ao establishment.
Nesta disputa e perseguição um dos fariseus perguntou a Jesus o
quem seria o próximo na proposta do mandamento: “Amarás a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a si mesmo” (Mateus 22.37-39).
Ele, então, lhe conta uma parábola. A mesma relatava a estória de
um homem que havia sido assaltado, espancado e, no meio de uma estrada, jazia
gravemente ferido. Pouco tempo depois passou um religioso e depois outro, mas
nenhum ajudou àquele homem.
Um outro homem, que não era da religião judaica, socorreu a
vítima. Jesus então perguntou ao doutor da lei: quem foi o próximo do
assaltado? O fariseu, que o indagava, teve de admitir: o estrangeiro foi o
próximo, aquele que amou de fato.
Numa perspectiva filosófica, Aristóteles define a
misericórdia como "certo lamento por um mal que se mostra aniquilante ou
penoso, e atinge quem não o merece, mal que poderia sofrer a própria pessoa ou
um dos seus parentes, quando esse mal parece iminente” definição esta, limitada
em comparação com a abordagem de Jesus.
A atitude de misericórdia é importante para o
profissional da psicanálise. O alimentar a empatia com quem atende, empatia
proporcional ao nível de sofrimento do paciente. A misericórdia estimula um
tipo de contratransferência.
O ato de perdoar, explanado no tópico anterior
está completamente entrelaçado com a misericórdia.
2.7 - Mais que felizes são os que tem intenções puras
Bem-aventurados os limpos de
coração, porque eles verão a Deus; (Mateus 5:8)
Numa
visão e linguagem estritamente cristã os puros de coração são aqueles purificados, nas motivações quanto
ação e reação, pela fé; são purificados pelo Espírito de Deus de pensamentos e
raciocínios inúteis, desejos meramente materialistas e paixões corruptas;
purificados da soberba, egocentrismo, raiva, impaciência, inveja, malícia,
cobiça, ambição; cujos corações são livres para amar a Deus de forma
plena e, também as pessoas que o cercam, como eles mesmos.
Só amando o próximo como a si mesmo para,
verdadeiramente ser puro de coração. Freud entendia ser isso impossível. Ele
questionava como denuncia quanto a relação entre os sujeitos não
complementares. Para Freud seria impossível amar ao próximo como a si mesmo. Na
metáfora do porco-espinho em “Psicologia dos Grupos (1921), ilustra esta
barreira íntima que preservamos no que se refere ao outro aos outros, no
entanto, como os porcos tinham espinhos
necessitavam preservar uma distância prudente entre si, no objetivo de evitar
ferimentos. Exatamente a distância íntima, que permite a constituição do
próximo e a manutenção do sujeito do desejo14.
Na proposta de Jesus, resolver as motivações do coração é o
primeiro passo. Se o discípulo está sinceramente na motivação certa, com a
estrutura certa, ele terá a pureza no coração, a motivação com ideias e
sentimentos puros.
A (des)vantagem da proposta espiritual de Jesus é que há um Deus auxiliador,
interventor em e com suas criaturas. Mediante reconhecimento e submissão, com
arrependimento sincero, fé nele. Deus age promovendo o reparo, a cura. Aliás, a
promessa de Jesus como ser celestial é, dentre outras: “Eu dou a vocês vida e
vida plena” (Jo 10.10).
O foco é: a busca das purezas nas motivações dos propósitos entre
si e todos viveram em um mundo melhor.
2.8 - Mais que felizes são os
que promovem a paz
Bem-aventurados os
pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus (Mateus 5:9)
Quem promove paz, conciliação, quem têm ações
pacifistas são os mais elevados de alma. O Rev. Martin L. King, Mahatma Gandhi,
Emily Greene Balch, Nelson Mandela (durante e depois do processo de prisão).
Estes e outros, sem o uso da violência, foram revolucionários. Não com armas,
mas com ideias, com a resistência pacífica.
. A proposta de Jesus, na sequência do Sermão do Monte
(Mt.5.38-42), refere-se à direção dos cidadãos do Reino de Deus, seus
seguidores, como reação a (possíveis) atos de violência ou vítimas de
imposições. A prática condenada é o uso da fórmula justalioni, ou seja, a
vingança pelas próprias mãos e a intolerância. Ao contrário, o ouvinte do
ensinamento é desafiado a resistir pacificamente a violência. Luz, 2001. P.412, 413, tradução nossa)
comenta:
Estes logia contêm certa dose de provocação deliberada. Tratam de
causar estranheza, de sacudir, de protestar simbolicamente contra o círculo de
violência [...] São expressão de um protesto contra qualquer tipo de espiral da
violência desumanizadora15.
2.9 - O pacifismo quebra o círculo incessante da violência.
Podemos perceber, sob a perspectiva
psicanalítica, que essa questão é muito interessante: por ser o Pacificador
tendente à acomodação e ao esquecimento de si mesmo, os impulsos de morte
(thanatos) relativamente prevalecem nesse tipo de personalidade.
Quem
conhece o amor, quem ensina sobre o amor, quem vive o amor é inerentemente pacificador.
2.10 - As
promessas de recompensas e consequências para os discípulos
Na sequência conclusiva das bem
aventuranças vem alertas referente as consequências por viver as ideias do
Cristo (Mateus 5:10- 12) e pregá-las, acompanhado, também com promessas de
recompensas compensações na vida após a morte (objeto de fé).
Conclusão
Jesus em sua época trouxe doutrinas, filosofias, arcabouço ético
elevado e não superados em seus princípios, até hoje.
A sua formatação religiosa de comunicação atrelada ao Deus Criador
de todas as coisas, traz, em sua essência o que passou ser chamado de religião.
No sentido literal do termo é correta a afirmação, contudo, devido as
distorções e corrupções própria do homem, seus ensinamentos foram usurpados,
distorcidos nestes dois milênios.
Liberdade-libertação, amar incondicionalmente, inclusive o
inimigo, é para os minimamente curados, os sarados, os que, sinceramente
desejam o bem de si mesmo, que é reflexo em se fazer bem a si mesmo e o fazer o
bem ao próximo. A proposta psicanalítica
tem isto como meta essencial. Como ciência hermenêutica objetiva a explicação,
a elucidação, para o bem do indivíduo, para o bem da sociedade, em suas
manifestações políticas, morais, sociais e éticas. Buscando o bem estar da
humanidade, a partir de indivíduos projetando para o social-coletivo.
Ideia de Jesus, meta do Cristo que usou uma estratégia espiritual,
na sua formatação de conteúdo para sua época, necessariamente religiosa,
correta, com a abordagem, metodologia precisa para àquele contexto.
A minha identificação como líder religioso, como pastor, com a
psicanálise, é a intenção de melhorar o homem, o promover o reparo, o
equilíbrio, a sensatez, a lucidez, até onde for possível em nosso limite e
contradições humanas.
Acredito que há muito tempo não existe mais espaço para uma
teologia cristã sem reflexão na dimensão psicológica, da mesma forma a
psicanálise não deve ignorar os ensinamentos cristãos ao buscar a cura psíquica
de doentes. Tanto a psicanálise como as orientações genuinamente cristã são
úteis e necessárias. Uma pode somar com a outra, já que têm objetivos similares:
cura e libertação das pessoas.
Referências
Bibliográficas
1. MOLTMANN, J. A fonte da
vida: o Espírito Santo e a teologia da vida. São Paulo: Loyola, 2002.
2. Chevitarese, André Jesus Histórico e
Funari, Pedro Paulo A. – Jesus Histórico – Kline editora
3. Flávio Josefo, Seleções de Flávio Josefo, Editora das
Américas, 1974, tradução de P. Vicente Pedroso.
4. Lovato, Fabricio
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Acesso em maio de 2021
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