Pedro Sertão Silva

Pensamentos, reflexões, exposição de ideias, imagens...Uma visão num ângulo particular. No sertão da Paraíba fazendo o bem.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Guetos, Praças, Bocadas. Igreja Dentro

Inicio com o ideal, provocando para desafios: uma igreja engajada, com, voltada para a cidade, para o campo, para os guetos, para as tribos: urbanas, indígenas. Atuando na minimização da violência, às consequências dos tráficos, seja de drogas, de armas, de gente, de influência; que trabalhe preventivamente consumo de drogas, forme cidadão.

Isso é ser pertinente, atuante, profética, destacando a ética. Promovendo esperança, evidenciando a possibilidade de restauração, é possível um mundo melhor nesta era.
Quem influencia os de (para) fora? Quem tem compromisso, vive o Evangelho, todos da comunidade de adoradores ‘Do Deus Vivo’, salvos por Jesus Cristo, educados, discipulados de forma integral. Curados, restaurados, reorientados. Pessoas que amam a justiça, os pobres, comprometidos com gente.
Esta turma não se omite, convive, está dentro. Na rua, nas casas, na equina. Ouvindo, falando. Esta turma não desanima, é comprometida. Age, ajuda, prega a palavra, o plano de salvação inclusive.
Aonde mais podem atuar, enquanto comunidade cristã? Nas instâncias de poder legal como componente da sociedade civil; enquanto indivíduos que fazem parte da comunidade (terapêuticas cristã), como cidadãos comprometidos com o vulnerável, injustiçado, sem terra, privado do direito.
Como expressa José Comblin em seu livro A Liberdade Cristã “...Quanto à opressão, ela é total e envolve todas as atividades dos povos submissos condenados a edificar uma riqueza blasfematória e atentatória à dignidade de Deus e dos homens...1
Colocando-se, a igreja com seus membros, a disposição para concorrer cargos públicos, a representantes de órgão fiscalizadores e monitoradores na linha dos Conselhos Municipais de Políticas Setoriais. Dica/orientação exposta no livro Participação Cidadã: “Um espaço conquistado na Constituição de 1988. A intenção é, como mais uma instituição que compõe a Sociedade Civil a igreja local contribuir com a fiscalização e, também participação no direcionamento e administração dos recursos direcionados, devem ser, para fins sociais. A igreja deve está inserida, opinando, protestando, denunciando, dando exemplo".2

Lendo o Pacto de Lausanne percebi que, não só fortalece a necessidade da evangelização, ultrapassando as fronteiras culturais, politicas e geográficas, promovendo a possibilidade de pessoas, nos quatro cantos da terra, ouvindo a mensagem de esperança, comunicadora da salvação eterna, poder escolher, ter condições de decidir acerca de Cristo e sua redenção, mas, também, enfatiza a responsabilidade da igreja em contribuir com a cidadania, justiça social, dignidade humana. O pacto conclama para sermos uma igreja profética, denunciadora das atrocidades cometidas por minorias corruptas que estão no poder político e econômico.
Uma igreja profética para o pecado individual, familiar. Mais que isso, uma igreja profética contra todo tipo de injustiça.
“...Ação social da Igreja é mais do que alimentar os famintos, curar os doentes e providenciar recursos para que a sua tragédia seja minimizada. Entende-se que ela exige uma ação social mais profunda que possa trazer justiça social.” 3 Promover reformas estruturais, agir na causa da injustiça e suas consequências.
Formando cidadãos cientes de seus deveres e direitos, homens e mulheres éticos, posicionados contra qualquer tipo de injustiça; desde o não burlar a fila, passando pelo respeito à etnia, raça, cultura, religião. Uma igreja cumprindo a missão integral.
A igreja de Jesus onde quer que esteja precisa e, naturalmente deveria estar, envolvida nas instâncias de poder politico, na fiscalização e administração, inclusive nas que trabalham com assistência social, saúde, educação. Contribuindo para o combate a pobreza e corrupção.
A verdadeira igreja de Cristo é corajosa e profética. Denuncia a injustiça, envolve-se com os injustiçados, mistura-se com eles no objetivo de resgata-los para a dignidade humana, seja emocional-espiritual e de cidadania.
Em um país totalitário esta ação contundente, contra as injustiças seria mais difícil, mas, não é o nosso caso, temos leis que respaldam estas iniciativas. A igreja pode engajar-se e exigir que a lei se cumpra. Podemos como igreja – instituição e como indivíduos – cidadãos ligados à mesma, contribuir para e através deste controle, uma sociedade mais parecida com o Reino de Deus.

Bibliografia
1- Comblin, José - A Liberdade Cristã – Pg. 38 – Ed. Paulus.
2- Hermanns, Klaus - Responsabilidade Social da Igreja, Expressão Gráfica e Editora.
3- Rocha, Calvino - Responsabilidade Social da Igreja/ - Descoberta Editora Ltda. Pg. 40.
4- PADILLA, René, MISSÃO INTEGRAL - Ensaios Sobre o Reino e a Igreja. São Paulo - SP, Temática Publicações, 1992.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

AS BEM AVENTURANÇAS NO SERMÃO DO MONTE E A PSICANÁLISE


Resumo:

 Psicanálise e os ensinos de Jesus têm vários pontos em comum: cura da alma, proposta que apontam para relacionamentos saudáveis entre pessoas, importância do perdão, dentre outras. Tanto a proposta psicanalítica honesta como as doutrinas e filosofias ensinadas por Jesus apontam para uma saudável qualidade de vida. Ambas podem, nas suas áreas respectivas e, também, principalmente, nos pontos convergentes  se complementarem.

Palavras Chaves: Psicanálise, Sermão do Monte, Bem aventuranças

Abstract: 

Psychoanalysis and Jesus' teachings have many things in common: soul healing and proposals that aim to establish healthy relationships between people. Both the honest psychoanalytic proposal and the philosophical doctrines taught by Jesus point to one's healthy life quality. Both areas can complement each other at their respective points of convergence.

 Introdução

 

Não estarei dissertando de imediato sobre as Bem Aventuranças, conteúdo central da proposta na introdução do Sermão do Monte. Contextualizarei a missão de Jesus. 

Ele estava inserido em um contexto de opressão religiosa, estabelecida pelo autoritarismo eclesiástico judaico, agravada pelo jugo, não menos opressor, do Império Romano; domínio este que ocupava quase toda Europa, norte da África e boa parte da Ásia.

Também é imprescindível refletir a religião como força institucional de poder não só místico-espiritual, teológico, mas, também político. A religião que é considerada, às vezes com muita legitimidade, sinônimo de repressão, opressão, controle, motivadoras e, até gatilhos de guerras.

A religião, para os mercenários, é considerada fonte de lucro fácil, e quase sempre tem ligação com poder opressor. Alienante, idiotizantes, conservadorismo, retrocesso...

As estruturas religiosas e seus controladores, com interesses de poder, fama, monetários, na grande maioria dos casos não condizia com seus iniciadores, ou àqueles que usam indevidamente seus ensinamentos, filosofias, doutrinas, seus pensamentos.

É importante marcar posição quanto a verdade que os ensinamentos do Jesus, o Cristo, foram deturpados. As promessas quanto a vida eterna, referentes a transformações e conquistas individuais.

A ideia de paraíso, dentre outras, foram e são “produtos” caríssimos, sonhos de todos.

Mercenários, falsos sábios, profetas, filósofos, sacerdotes, falsos padres, bispos, pastores...  Perceberam a preciosidade da mensagem, passaram a escolher só aspectos, partes do todo; selecionaram só o que era confortável; deturparam e acrescentaram o que era conveniente ao domínio e passaram a vender, a manipular, a controlar, a oprimir, a matar, tudo em nome de Deus. Ainda está sendo assim, mas, não foi assim que o Cristo agiu, muito menos ensinou.

A mensagem de Jesus é de cura e libertação, principalmente na alma.   

            Ele é específico em sua doutrina, é exemplo em sua vida. Não se adequou a estruturas de poder político na terra, não se amoldou a ideologias;

Desmontou, com sabedoria, a religião judaica, revolucionou a percepção, a prática da relação com o Criador, com Deus.

Jesus colocou em cheque os princípio religiosos atrelados às regras impostas, às leis; falou de um poder maior, autêntico, interno, gerado, orgânico;, de um poder transformador, que passa a ser inerente, espontâneo, natural.

Poder oriundo do interior do ser humano, um germe aflorado, nascente, do não é, do não existe, do outro mundo, de outro reino, do mundo chamado espiritual. Um poder transformador de outro domínio.

            Quando ele diz: “meu reino não é deste mundo” (Jo.18.36), queria dizer que era de outro plano, com outros valores, outras ideologias, outros parâmetros; e que veio para estabelecer novo conceitos, novos paradigmas, uma nova ótica e perspectiva.

            Jesus propôs uma reforma: antes de ser social, uma reforma no indivíduo, uma mudança interna, na mente, nas emoções, na alma, no caráter, na estrutura do ser, do ente.

Com base nos dilemas apresentados, dentre outros, irei analisar as Bem Aventuranças do Sermão do Monte como o foco principal do artigo. Tomaremos como base a versão de Mateus, primeiro livro do Novo Testamento, entre os capítulos 5 e 7. Farei uma análise à luz da exegese bíblica com as teorias psicanalíticas.

            Farei, também, um paralelo entre a teologia de Moltmann e a psicanálise. Se Freud sinalizava que a pessoa necessita de libertação da ilusão, enxergando, consequentemente, admitindo que está sozinho e sem amparo, esta sensação de desamparo seria evidência da maturidade que se estabeleceu, amparada no sofrimento de Jesus Cristo1.

            Preliminarmente será exposto, alguns elementos históricos acerca de Jesus, como personagem importante na idade antiga, e não só o sujeito central de uma grande religião; expor a filosofia de Jesus como pertinente, como fundamento para uma vida psicologicamente saudável, se obedecida e seguida. 


1. O Jesus do sermão, personagem histórico

            Antes dos ensinamentos de Jesus, entendo que há a necessidade de destacar, resgatar e enfatizar o Jesus histórico, ser humano notável que viveu na região, hoje chamada de Palestina, marcando e dividindo a história, principalmente a do Ocidente.

            As evidências e provas do Jesus histórico atenuaram os argumentos dos céticos e incrédulos como o próprio Tomé, apóstolo de Jesus, ele não acreditou em sua ressurreição, apesar das mulheres e dos outros 10 apóstolos terem o visto.

            Da mesma forma que Tomé exigiu provas de sua ressurreição é, natural que os historiadores busquem provas da existência de Jesus. Eles não devem concordar, sem evidências, acerca da existência histórica de Jesus, baseado somente nos escritos sagrados e na opinião dos teólogos e líderes religiosos, mas em evidências eventualmente arqueológicas, em outros livros além das escrituras religiosas, principalmente o Novo Testamento da Bíblia cristã. Há relatos sobre Jesus também no Alcorão.2

            A prova maior da existência de Jesus como personagem real na história da humanidade, não são evidências físicas, tais como ossadas ou um túmulo. Se outros personagens históricos tivessem que passar por este crivo 90% não seriam reconhecidos como verídicos.

            O argumento mais plausível aceito pelos pesquisadores são as múltiplas confirmações. Escritores diversos, isolados um do outro, trazem informações semelhantes sobre o mesmo personagem.

            Flávio Josefo é um historiador do século I ‑ judeu, não cristão que trouxe narrativas claras sobre Jesus em seus livros3.

            Outras fontes não cristãs que citam Jesus em seus documentos e livros: Cornélio Tácito - governador da Ásia (56-120 d.C.); Mara Bar-Serapion. Filósofo estoico da província romana da Síria; Luciano de Samosata. Filósofo e escritor grego, satírico (125-181 d.C.), dentre outras dezenas de escritores e historiadores dos dois primeiros século d.C4.

            Uma excelente obra apologista que trata sobre a historicidade de Jesus, dentre outras análises, é o Livro Mais Que Um Carpinteiro de JOSH McDOWELL,  Editora Betânia (1980).

 

2. As Bem Aventuranças e a Psicanalise
A proposta de ‘ser mais que feliz’

No original grego koinê - μακάριος, α, ον, transliteração: makarios,  Aa tradução na língua portuguesa para a expressão é: ‘bem aventurados´. O sentido mais próximo para um entendimento atual melhor seria ‘mais do que feliz’. Mais que feliz é uma hipérbole do viver bem, ser felicíssimo.

Uma boa introdução, que certamente chamou a atenção da multidão, embora o discurso, o sermão, a mensagem era dirigida para os discípulos, para os seguidores do jovem mestre.

A percepção freudiana quanto a felicidade é concomitante na busca pelo prazer e o bloqueio do desprazer.

O filósofo Aristóteles afirmou que a felicidade é o objetivo principal e o maior bem das ações humanas.

E para Jesus? Ser feliz em um contexto de opressão social e econômica. Um povo miserável subjugado por um domínio opressor, o Império Romano. Realidade de desigualdade social gritante, perspectiva e expectativa de vida baixíssima.

A plateia, que o ouvia era composta por pessoas doentes fisicamente, doentes na alma na sua grande maioria; repito: oprimidas socialmente, emocionalmente espiritualmente.

Ser feliz é o que eles queriam e o que a humanidade busca até hoje.

Qual a fórmula da felicidade? Jesus trouxe a receita?

Neste artigo analiso algumas destas bem aventuranças na perspectiva neotestamentária (Novo Testamento da Bíblia cristã), com foco principalmente nas bem aventuranças do Sermão do Monte, tendo a teoria psicanalítica como objeto reflexivo e, ou, como contra ponto.

 

 2.1 Mais que felizes são os humildes

 

Mais do que felizes são “os pobres de espírito” (?! ), (Mateus 5.3). O que significa isto? Como pode alguém pobre ser feliz? O que Jesus queria ensinar com esta expressão?

Humildade, segundo Freud: “Aquele que ama se faz humilde. Aqueles que amam de alguma maneira renunciam a uma parte do seu narcisismo5.”

A humildade também é o reconhecimento de nossas limitações. Quando reconheço que sou pobre de espírito, expressão utilizada por Jesus no objetivo de fazer com que seus seguidores se enxergassem e percebessem suas limitações; um autoconhecimento verdadeiro e necessário para o crescimento pessoal.

A frase de Freud faz um contraste entre humildade e narcisismo. No reconhecimento das limitações aliado a capacidade que podemos ter de superação, pode-se colocar o narcisismo inerente, na utilidade correta.

            Como se expressou T. S Eliot “A única sabedoria a que podemos aspirar é a sabedoria da humildade: a humildade é infinita6.”

            Jesus conclamava aos discípulos o ‘auto enxergasse’, perceber-se em verdade e, neste autoconhecimento inexoravelmente serem humildes. Sem a humildade não se pode pregar a mensagem de Jesus, não se pode ser seu discípulo.

 

2.2 - Mais que felizes são os que choram

Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados (Mateus 5:4).

            O choro é um verdadeiro escape, descarga emocional, natural nos humanos desde o nascimento até a morte; e é provocado pelas mais diversas reações emocionais, desde a alegria até a tristeza

Segundo a pesquisadora e psicóloga clínica no Instituto Black Dog ao The Huffington Post Austrália. Aliza Werner-Seidler: "Chorar pode nos fazer muito bem. O choro oferece uma saída para a emoção e nos ajuda a comunicar nossos sentimentos e emoções".

 

Betina Lejderman se expressa assim sobre a temática choro: “Apesar de muito presente na prática clínica, é pouco mencionado na literatura médica7.   ou existe uma lacuna preocupante quanto ao tema ou não está devidamente abordado no contexto teórico da psicanálise.

Quando Jesus afirma que são bem aventurados os que choram, ele quer dizer: que bom que você é humano, sensível, empático, e solidário com a dor do outro. No contexto do sermão e na proposta geral da mensagem, ele intencionava comunicar que os que sofriam teriam compensações na vida além, no paraíso (objeto de fé). Ademais a proposta de Jesus: vida ética na terra, mas com expectativa de vida após a morte.

É preciso sensibilidade, solidariedade, identificação com a dor do outro para ser discípulo de Jesus. Só os minimamente curados e/ou transformados podem ser.

2.3 - São felizes os mansos

            Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; (Mateus 5:5) A definição comum de mansidão: é a qualidade daquele que é pacifico, brando, e que é investido de moderação nas atitudes. Ser manso é o contrário de ser rude e, ou agressivo. Esta é uma palavra que aparece em alguns textos bíblicos, e, antes de expressar-me sobre a mansidão comportamental, na atitude à luz da psicanálise, faço entender o que é mansidão na perspectiva bíblica no Antigo e Novo Testamentos.No Antigo Testamento a expressão mansidão vem do hebraico anawa, e significa inclinar, “estar curvado” e “condescender”, no sentido de submissão, por isso a palavra implica, principalmente, a ideia de “ser despretensioso” de “ser submisso”. Submissão é está comprometido totalmente a uma missão, um objetivo.No Novo Testamento o significado é mais contundente e grave no que diz respeito a uma renúncia total em prol de uma causa, a palavra mansidão indica, uma atitude de completa submissão a Deus e a Sua Palavra (Tiago 1:21). “Acolhei, com mansidão a palavra pregada”, ou seja: se submeta em praticar a palavra e fazer seguidores da mesma, através de sua vida, de suas expressões, e sua fala.

Jesus promete um prêmio: a terra como herança para os mansos algo de suma importância para os judeus. Eles passaram muitos séculos sem terra, sem pátria, várias diásporas, sem mencionar quase dois milênios espalhados por todo mundo, após Cristo, ( DC).

Na época de Cristo a ideia de diásporas, exílio, servidão era muito forte. Para quem ouvia o sermão era motivador, por demais. A expressão herdarão a terra”. Estabilidade, segurança. Os discípulos entendiam assim: Estejam submissos à minha vontade e serão premiados com tudo isto.

A mansidão no conceito usual vem com uma certa deturpação, como mencionei no início das considerações introdutória da temática em foco. O submeter-se a uma ideia, para Jesus, envolvia, implicava sujeição a um comando, uma hierarquia, mas não, sem, antes questionar, não obrigado, subjugado, mas, voluntário por ser uma missão que vale a pena fazer parte dela, se preciso for até morrer por ela. “Se você ainda não achou uma causa pela qual valha a pena morrer, você ainda não achou razão de viver.” Frase emblemática do Rev.  Martin Luther king.

O Martin Luther king, assim como Gandhi, praticante e defensor da resistência pacífica, são exemplos do como ser e agir com mansidão. O Dr. King foi submisso a um ideal cristão, na luta contra o racismo, pelos direitos civis, com postura pacifista em sua estratégia de ação; Gandhi foi o grande líder no movimento pacifista pela independência da Índia do império Britânico no pós-Segunda Guerra Mundial.

Como ser submisso-manso? O que a psicanálise aborda?

            Schopenhauer faz menção a mansidão sábia  face à “tragédia da vida” na qual o ser humano ocupa uma posição passiva, onde a ele cabe apenas liquidar ou “abafar” sua vontade de viver para evitar uma vida com maior sofrimento.

“Querer é essencialmente sofrer, e como o viver é querer, toda a existência é essencialmente dor8.”  Uma mansidão conveniente, passiva, para evitar maiores desgastes.

            O contrário mansidão é a agressividade. Nos estudos da psicanálise o ser agressivo tem como características uma reformulação frequente na intenção de agredir alguém. Esta postura está ligada a pulsão de morte. A percepção de que as atitudes violentas relacionadas a agressividade são sempre atravessadas pela pulsão, e estão vinculadas totalmente com a sexualidade perversa da qual Freud explica em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade9.
            No que se refere às expressões da pulsão de morte na dimensão social, Freud, em 1913, constrói seu texto Totem e Tabu explicitando o complexo de Édipo. Através deste livro, pode-se fazer uma análise mítica da agressividade, percebendo a mesma como alicerce da cultura. “O parricídio é escolhido como a ação responsável pelo advento da sociedade e de suas leis reguladoras: a lei de proibição do incesto, do ‘não matarás’, os fundamentos das religiões monoteístas e das instituições sociais” (Freud, Sigmund, 1856-1939. Obras completas, volume 11 : totem e tabu,  São Paulo: Companhia das  Letras,  2012.)

Para Jesus a afirmação da lei, no caso a judaica, era importante.  O “não mataras”, inibe,  reprime, com  as penas  proporcionais à  época para  os  que infringiam a referida lei.
          A mensagem para os discípulos era de um padrão superior a Lei. Não só não
matem, mas amem o inimigo ou seja trabalhem o interior de vocês contra sentimentos de ódio, quem odeia já e assassino (Mateus 5.21,22).. 

Ou seja, reprimir a agressividade não é o caminho, mas, sim tratar os sentimentos, os traumas e as motivações internas. Para serem discípulos de Jesus seria necessário a mansidão autêntica vinda de uma estrutura de pensamentos, sentimentos e motivações minimamente resolvidas e a solução está dentro, na alma, berço do inconsciente, pré-consciente e consciente.

 

2.4 - São mais que felizes os que lutam por causas da justiça

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”, (Mateus 5:6).

Sede e fome duas palavras chaves, duas necessidades vitais, colocadas de propósito, juntas. Água e pão são fundamentais para a vida. Discípulos de Jesus precisavam encarnar que a justiça para os pregadores do amor era tão vital como pão e água, também se indignarem com a injustiça ao seu redor, ou onde ela se manifestasse. A indignação vem como reação a partir de uma percepção racional, cultural, de cosmovisão conceituada numa consciência já entranhada, gerada pelo aprendizado de valores elevados. Não se pode ver semelhantes passando fome, sendo injustiçado de qualquer forma, sem uma ação-reação de denúncia de protesto, de resgate.

Jesus tinha uma preocupação, um comprometimento no combater a injustiça social evidente, contundente. Em diversas passagem relatadas no Novo Testamento isto fica muito claro.

Uma pessoa que tem sede e fome de justiça está calcada em valores saudáveis 

O lema que constituí o Estado moderno: “todo homem nasce livre e igual”. Só a partir desse preceito é que um psicanalista, em sua prática, procurará meios de liberar um sujeito de toda relação hierárquica de submissão e dependência em relação a outro homem; ao mesmo tempo em que a prática da psicanálise nos ensina que a igualdade entre os homens é um ideal, logo, é impossível.             Toda liberdade e toda igualdade serão sempre limitadas pela desigualdade dos sexos, pela desigualdade entre as gerações, pela desigualdade entre os sintomas10”.

A mensagem de Jesus, ao longo de sua curta passagem na terra, fala de justiça no sentido amplo, quando ele faz a conclamação do amor ao próximo: “Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis” (João 13:34).

Quem ama não escraviza, não explora, não é injusto. Mesmo sendo este mandamento de Jesus universal, tem de ser destacado, principalmente, na dimensão da justiça social.

Expressão de Lacan “Amar, é dar o que não se tem”. O que quer dizer: amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo11.

2.5 - Mais que felizes são os que perdoam

Jesus afirmou: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia (Mateus 5:7)

Ter misericórdia está relacionado com compaixão, em dá mais uma chance. Se alguém errou com você, perdoe. Para tanto uma compreensão necessária que leva a atitudes solidária, amável, longânimes, empáticas.

Jesus argumenta de forma repetida e clara, com uma contundência forte sobre a misericórdia no Sermão do Monte. Orienta a amar o inimigo, a abençoar o inimigo. Nesta dimensão ainda, se identifica com o próprio carente, com o miserável, quando ele afirmou: “Se você ajuda a uns dos pequeninos ajudou a mim” (Mateus 25.35-45).

            Mas, a ênfase maior do Sermão do Monte, no entanto, é sobre o perdão. Na oração do Pai Nosso, o perdoar o outro, é condição para se obter o perdão de Deus.

            A pergunta é: Qual a vantagem de perdoar? É provado que o não perdoar aumenta as tensões, pode provocar hipertensão, mina o sistema imunológico, dentre outras enfermidades psicossomáticas: A guerra nunca acaba dentro de si. Perdoar é o ato deliberado de abrir mão da mágoa ou do desejo de que o outro seja punido.

            Jesus sabia que é a melhor saída, melhor alternativa o ato de perdoar, embora tudo tem um preço, toda decisão tem consequências, a melhor opção é perdoar. Como os discípulos do amor poderiam pregar a mensagem sem uma estrutura para o perdão?

            Na psicanálise o perdão é tratado de forma séria e como importante para a cura emocional. Segundo Kehl, o ressentido encontra-se impossibilitado de se implicar como sujeito do desejo. O ressentido é aquele que não quer esquecer, perdoar, não deixar para trás o mal que o vitimou. Podemos pensar, então, o delinquente como alguém que é ressentido antes de cometer o ato de delinquência. O delinquente não se sente culpado pelos atos reprovados, mas por razões mínimas como, por exemplo, não ter enviado dinheiro para sua mãe12.

            Jesus sabia que seus discípulos não iriam muito longe com a sua mensagem se não estivessem curados na alma, sem ressentimentos, muito menos ódio e sem a capacidade de perdoar os que, inevitavelmente, na trajetória, o ferirem.

 

2.5.1 - A relação do perdão com a cura interior

            A proposta de Jesus confrontava a orientação da lei judaica. Não mais olho por olho e dente por dente, mas dar a outra face, não mais apedrejar, mas perdoar;

Um das maiores ênfases do Sermão do Monte é o perdão. Perdoar quem te feriu, perdoar o inimigo, mais que isso: amar o inimigo, fazer o bem a quem te fizer o mal (Mateus 5.43-44).

Qual a intenção de Jesus nesta orientação? Mais do que não revidar, é não odiar, não desejar o mal.

Até onde o rancor, a mágoa, a amargura, o ódio afeta o bem estar interior de uma pessoa? Na mente, nas emoções?

Dependendo do nível de assimilação à frustração, o ser humano quando não encontra a capacidade de perdoar estar carregando ressentimentos com consequências psicossomáticas inevitáveis. Isto pode trazer um comportamento com lamentos e queixas indeterminadas, memórias engessadas da experiência da mágoa, agravado com rancor e falta de alegria frequente, como se fosse vítima da injúria, trazendo desestabilidade egóica.

Como expressou-se Julia Kristeva em seu livro O Sol Negro: depressão e melancolia: Podemos nos perdoar elevando, graças a alguém que nos ouve, nossa falta ou nosso ferimento a uma ordem à qual estamos certos de pertencer, e eis-nos com garantia contra a depressão13”.

 

2.6 - Mais que felizes são os misericordiosos.

Em uma das enumeras provocações feitas pelos fariseus, saduceus e escribas, adversários mortais de Jesus, estes controladores da religião judaica. Jesus era tido como uma ameaça ao establishment.

Nesta disputa e perseguição um dos fariseus perguntou a Jesus o quem seria o próximo na proposta do mandamento: “Amarás a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” (Mateus 22.37-39).

Ele, então, lhe conta uma parábola. A mesma relatava a estória de um homem que havia sido assaltado, espancado e, no meio de uma estrada, jazia gravemente ferido. Pouco tempo depois passou um religioso e depois outro, mas nenhum ajudou àquele homem.

Um outro homem, que não era da religião judaica, socorreu a vítima. Jesus então perguntou ao doutor da lei: quem foi o próximo do assaltado? O fariseu, que o indagava, teve de admitir: o estrangeiro foi o próximo, aquele que amou de fato.

Numa perspectiva filosófica, Aristóteles define a misericórdia como "certo lamento por um mal que se mostra aniquilante ou penoso, e atinge quem não o merece, mal que poderia sofrer a própria pessoa ou um dos seus parentes, quando esse mal parece iminente” definição esta, limitada em comparação com a abordagem de Jesus.

A atitude de misericórdia é importante para o profissional da psicanálise. O alimentar a empatia com quem atende, empatia proporcional ao nível de sofrimento do paciente. A misericórdia estimula um tipo de contratransferência.

O ato de perdoar, explanado no tópico anterior está completamente entrelaçado com a misericórdia.

 

2.7 - Mais que felizes são os que tem intenções puras

Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; (Mateus 5:8)

Numa visão e linguagem estritamente cristã os puros de coração são aqueles purificados, nas motivações quanto ação e reação, pela fé; são purificados pelo Espírito de Deus de pensamentos e raciocínios inúteis, desejos meramente materialistas e paixões corruptas; purificados da soberba, egocentrismo, raiva, impaciência, inveja, malícia, cobiça, ambição; cujos corações são livres para   amar a Deus de forma plena e, também as pessoas que o cercam, como eles mesmos.

Só amando o próximo como a si mesmo para, verdadeiramente ser puro de coração. Freud entendia ser isso impossível. Ele questionava como denuncia quanto a relação entre os sujeitos não complementares. Para Freud seria impossível amar ao próximo como a si mesmo. Na metáfora do porco-espinho em “Psicologia dos Grupos  (1921), ilustra esta barreira íntima que preservamos no que se refere ao outro aos outros, no entanto, como  os porcos tinham espinhos necessitavam preservar uma distância prudente entre si, no objetivo de evitar ferimentos. Exatamente a distância íntima, que permite a constituição do próximo e a manutenção do sujeito do desejo14.

Na proposta de Jesus, resolver as motivações do coração é o primeiro passo. Se o discípulo está sinceramente na motivação certa, com a estrutura certa, ele terá a pureza no coração, a motivação com ideias e sentimentos puros.

A (des)vantagem da proposta espiritual de Jesus é que há um Deus auxiliador, interventor em e com suas criaturas. Mediante reconhecimento e submissão, com arrependimento sincero, fé nele. Deus age promovendo o reparo, a cura. Aliás, a promessa de Jesus como ser celestial é, dentre outras: “Eu dou a vocês vida e vida plena” (Jo 10.10).

O foco é: a busca das purezas nas motivações dos propósitos entre si e todos viveram em um mundo melhor.

 

2.8 - Mais que felizes são os que promovem a paz

Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus (Mateus 5:9)

Quem promove paz, conciliação, quem têm ações pacifistas são os mais elevados de alma. O Rev. Martin L. King, Mahatma Gandhi, Emily Greene Balch, Nelson Mandela (durante e depois do processo de prisão). Estes e outros, sem o uso da violência, foram revolucionários. Não com armas, mas com ideias, com a resistência pacífica.

. A proposta de Jesus, na sequência do Sermão do Monte (Mt.5.38-42), refere-se à direção dos cidadãos do Reino de Deus, seus seguidores, como reação a (possíveis) atos de violência ou vítimas de imposições. A prática condenada é o uso da fórmula justalioni, ou seja, a vingança pelas próprias mãos e a intolerância. Ao contrário, o ouvinte do ensinamento é desafiado a resistir pacificamente a violência.  Luz, 2001. P.412, 413, tradução nossa) comenta:

Estes logia contêm certa dose de provocação deliberada. Tratam de causar estranheza, de sacudir, de protestar simbolicamente contra o círculo de violência [...] São expressão de um protesto contra qualquer tipo de espiral da violência desumanizadora15.

 

2.9 - O pacifismo quebra o círculo incessante da violência.

            Podemos perceber, sob a perspectiva psicanalítica, que essa questão é muito interessante: por ser o Pacificador tendente à acomodação e ao esquecimento de si mesmo, os impulsos de morte (thanatos) relativamente prevalecem nesse tipo de personalidade.

Quem conhece o amor, quem ensina sobre o amor, quem vive o amor é inerentemente pacificador.

 

2.10 -  As promessas de recompensas e consequências para os discípulos

            Na sequência conclusiva das bem aventuranças vem alertas referente as consequências por viver as ideias do Cristo (Mateus 5:10- 12) e pregá-las, acompanhado, também com promessas de recompensas compensações na vida após a morte (objeto de fé).


Conclusão

Jesus em sua época trouxe doutrinas, filosofias, arcabouço ético elevado e não superados em seus princípios, até hoje.

A sua formatação religiosa de comunicação atrelada ao Deus Criador de todas as coisas, traz, em sua essência o que passou ser chamado de religião. No sentido literal do termo é correta a afirmação, contudo, devido as distorções e corrupções própria do homem, seus ensinamentos foram usurpados, distorcidos nestes dois milênios.

Liberdade-libertação, amar incondicionalmente, inclusive o inimigo, é para os minimamente curados, os sarados, os que, sinceramente desejam o bem de si mesmo, que é reflexo em se fazer bem a si mesmo e o fazer o bem ao próximo.   A proposta psicanalítica tem isto como meta essencial. Como ciência hermenêutica objetiva a explicação, a elucidação, para o bem do indivíduo, para o bem da sociedade, em suas manifestações políticas, morais, sociais e éticas. Buscando o bem estar da humanidade, a partir de indivíduos projetando para o social-coletivo.

Ideia de Jesus, meta do Cristo que usou uma estratégia espiritual, na sua formatação de conteúdo para sua época, necessariamente religiosa, correta, com a abordagem, metodologia precisa para àquele contexto.

A minha identificação como líder religioso, como pastor, com a psicanálise, é a intenção de melhorar o homem, o promover o reparo, o equilíbrio, a sensatez, a lucidez, até onde for possível em nosso limite e contradições humanas.

Acredito que há muito tempo não existe mais espaço para uma teologia cristã sem reflexão na dimensão psicológica, da mesma forma a psicanálise não deve ignorar os ensinamentos cristãos ao buscar a cura psíquica de doentes. Tanto a psicanálise como as orientações genuinamente cristã são úteis e necessárias. Uma pode somar com a outra, já que têm objetivos similares: cura e libertação das pessoas.

 

Referências Bibliográficas

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2.  Chevitarese, André Jesus Histórico e Funari, Pedro Paulo A. – Jesus Histórico – Kline editora

3. Flávio Josefo, Seleções de Flávio Josefo, Editora das Américas, 1974, tradução de P. Vicente Pedroso.

4.  Lovato, Fabricio Luís – Diponível em <https://gracamaior.com.br/estudos/apologeticos/865-jesus-existiu-31-fontes-antigas-que-respondem-sim.html> Acesso em maio de 2021
5. Site VIX, citações gerais < https://www.vix.com/pt/bbr/1460/9-celebres-frases-de-sigmund-freud-para-refletir> Acesso em maio/2021

6. T.S. Eliot, Poesia, p.210. Os Homens Loucos, Editora Nova Fronteira

7. Choro: um complexo fenômeno humano - Betina Lejderman a

Sofia Bezerra  -  Publicado na R B Psicoterapia –Vol. 16, no. 3, Dezembro de 2014

8. Kehl, M. R. (2004). Ressentimento (Coleção Clínica Psicanalítica). São Paulo: Casa do Psicólogo. 

 9. FREUD, S. (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição Standard Brasileira das obras completas, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

10. COELHO DOS SANTOS; DECOURT, 2008, p.32). Guedes (2007)

11. "Falar de amor, com efeito, não se faz outra coisa no discurso analítico" (LACAN, 1972-1973).

12.  SCHOPENHAUER, 1850/2014, p.39), As dores do mundo. São Paulo: EDIPRO, 2014.

13.  Kristeva, Julia  - ED. Sol Negro/  Depressão e Melancolia

14. Nakasu, M. V. P. (2009). Para além do silêncio da pulsão de morte. Cad. Psicanál., 22(1), 185-192. <http://cprj.com.br/imagenscadernos/14.Para_alem_do_silencio_da_pulsao_de_morte.pdf> Acesso Abil/ 2021

15. Freud, Sigmund. Psicologia de Grupo e a Análise do Ego. in Obras completas de Sigmund Freud (23 v.), V.18. RJ, Imago, 1996

16. Ulrich, Luz. El Evangelio Según São Mateo: Mt 1-7. Salamanca: Sgueme, 2001