Soldado do Exercito de Davi - Sem o Espírito Santo não há obra de Deus - II
Soldado do Exercito de Davi
O primeiro líder que se aproximou, quando da minha chegada, para morar no sertão, demonstrando um real interesse de ser ajudado foi o Pr. Gildário. Sertanejo autêntico de nascimento, nativo de Pombal no estado da Paraíba, pastor da igreja Assembléia de Deus Betesda em Itaporanga, também na Paraíba.
Gildário se
aproximou quando dos primeiros dias de nossa chegada para assumirmos o
Seminário Sertanejo da Juvep.
Apesar de seu
jeito excessivamente irreverente, transparecia, em suas atitudes, um grande
desejo de ser acompanhado.
Seis dias depois, após a nossa mudança, ele
nos visita. Era dia de feira. O convidei para comermos um guisado de bode com
cuscuz na feira livre. Nada melhor que começar os primeiros contatos,
principalmente com a liderança mais simples, de forma simples.
Durante o
lanche, lhe fiz uma proposta: perguntei se ele me acompanharia em uma campanha
de jejum e oração. Estava chegando ao sertão e queria começar totalmente
alicerçado na oração. Ele prontamente aceitou o convite.
No primeiro
dia de consagração, pela manhã depois que fiz uma oração geral pelo sertão e
lideranças da região, sugeri ao Pr. Gildário que intercedesse por sua igreja.
Ele começou a
orar de uma forma displicente. Ao mesmo tempo em que orava sem convicção,
bocejava e coçava as costas. Eu pedi que ele parasse de orar e sugeri que se
empenhasse mais na intercessão. Gildário tentou de novo, mas não conseguia.
Usando uma linguagem sertaneja para explicar o momento: Gildário estava
“travado”.
Quando o
questiono novamente, querendo entender o porquê de sua dificuldade, Gildário,
tem um acesso de ira e grita:
- Eu não
oro não! Eu não oro por eles não! Eles me rejeitam e eu os rejeito! Eu não quero
saber daquele povo não!
Pensei comigo:
Meu Deus! Com quem me aproximei para ser companheiro de oração? ou,
numa expressão mais popular: “aonde amarrei a minha burra” ·.
Gildário estava passando
uma crise sem precedentes com sua igreja, nas suas finanças, na sua alma, nas
suas lembranças da infância. A sua auto-estima estava arrasada, os seus sonhos
frustrados.
Antes de sua
chegada havia uma expectativa no coração do Gildário de ser honrado e exaltado
nesse novo campo. Ele tinha assumido há um ano e seis meses.
Havia passado
por apuros em outros campos também. Já havia sido humilhado antes,
experimentado apertos financeiros angustiantes também. Mas, ele venceu todos
esses problemas e se considerava um vitorioso, afinal de contas não é qualquer
um que constrói e deixa três igrejas repletas de ovelhas em áreas muito
carentes, inclusive na zona rural, cuja resistência ao evangelho é muito maior
no interior do nordeste. Até o prefeito, de um dos municípios que o Gildário
pastoreou, se converteu, numa sinalização, segundo ele, da aprovação de Deus.
Quando chegou a
Itaporanga – PB, encontrou uma igreja mantida, em grande parte, por um
assistencialismo, que por si só é nocivo em virtude de legitimar uma
dependência entranhada na cultura do sertanejo pobre, camada da população
acostumada e adaptada a receber esmolas e paliativos.
Com a saída do
antigo pastor, foi-se com ele também as verbas para as cestas básicas, para o
combustível, indispensável ao carro que trazia as ovelhas da zona rural para o
culto dominical.
Ele queria dar
continuidade ao mesmo estilo de trabalho, só que não tinha nenhum lastro. Pela
“fé”, passou a comprar fiado gasolina e a fazer feira para as ovelhas carentes.
As dividas foram aumentando de uma forma tal que ele teve de vender o seu carro,
para pagá-las.
Contudo ainda
lhe restava os agiotas para pedir dinheiro emprestado. Pegava dinheiro a juros
altíssimos para cobrir os cheques que passava sem a devida provisão de fundos.
Uma ciranda financeira terrível impulsionada por uma necessidade de se afirmar
como líder assistencialista, a exemplo do anterior. Também alimentada por uma
necessidade de compensação para a sua carência de auto-aceitação, devido a sua
infância extremamente pobre, em que as sombras da miséria e da fome sempre
estavam pertos.
Ao perceber
que a sua expectativa de ser exaltado e honrado no novo campo foi apenas uma
ilusão. As ovelhas o rejeitavam de forma agressiva. Contrariado passou a ferir
com palavras a todos, indiscriminadamente e a mandar recados através das
pregações no púlpito. Abuso de poder indesculpável. Fato esse que, o mesmo,
quando se deu conta do grave erro, pediu perdão de púlpito e individualmente ao
rebanho.
Para Gildário
se dá conta dos graves equívocos foi um processo longo e doloroso. Percebi que
Deus tinha colocado ao meu lado uma pessoa que precisava de um acompanhamento
especial. Não tinha um companheiro de oração inicialmente, mas um líder
gravemente doente que precisava ser tratado.
Ele tinha um
perfil semelhante a dos soldados do Exercito de Davi (1Sm 22.2): endividado,
rejeitado, amargurado, desesperado. Pessoas que, quando valorizadas pelo seu
líder, dão suas próprias vidas por ele ou pela causa.
A primeira
semana de oração e jejum foi exclusivamente para ouvir o Gildário. Ele chegava
religiosamente todos os dias pela manhã, logo cedo.
Antes de
começarmos a orar ele falava, falava, falava... Tudo que vinha em sua mente,
principalmente, no inicio do acompanhamento. Compartilhava assuntos recentes e
do passado, também acerca de fatos traumáticos ocorridos na sua infância. Ao lembra de determinados assuntos chorava
muito.
A sua mãe
morreu quando ele tinha apenas cinco anos. O pai o abandonou e os avós paternos
o acolheram como quem acolhe um escravo. Gildário foi treinado para ser um
“burro de carga”. Trabalhava pela alimentação.
Nos momentos
de oração perguntei se ele tinha magoa de alguém. Passou a lembra dos nomes. A
lista foi imensa. Muita amargura, revolta. Enumeras pessoas foram amaldiçoadas
por ele. Passamos várias horas, reparando as pragas e maldições, proferidas em
momentos de grande ira e revoltas.
Seria
impossível resgatar o Gildário sem um acompanhamento intensivo. Ele só não
dormia na minha casa.
Seria
impossível, também se não houvesse em seu coração um desejo forte de
restauração, se não houvesse confiança absoluta da parte dele para comigo; se
não houvesse amor, boa vontade, de minha parte.
Ninguém pode discipular e consolidar o
outro com as ferramentas ideais se não for pelo Espírito Santo (1 Co 12.6-11).
Foram,
inicialmente, na primeira fase, nove meses de acompanhamento. O maior desafio
foi à libertação da necessidade fundamental e vital que Gildário tinha que era
a de TER. Pensava que o dinheiro responderia a todas as necessidades. E seu
complexo de pobre e rejeitado o levava de forma compulsiva para uma compensação
na área de aparência: O TER em detrimento do SER. Foi sua maior luta.
Entender que o Senhor era
o Deus da provisão para alguém que mal conseguia jejuar meio dia, porque no
momento em que começava a sentir fome entrava em pânico devido aos traumas em
decorrência da fome que passou na infância, era muito difícil.
Inclusive tentamos
ajudá-lo na área financeira naquele momento, mas Deus tinha fechado as portas
de uma forma radical. Ao entendermos isso passamos a confrontá-lo com a
necessidade de descansar no Senhor que é o Deus da provisão. A impressão que eu
tinha era como se fosse alguém extremamente dependente de uma droga e que
precisava se desintoxicar.
Depois de nove meses de
acompanhamento intensivo, Deus entregou a igreja, que antes o rejeitava, em
suas mãos.
No processo de oração em jejum o Senhor fez
uma purificação na igreja extraordinária. Pessoas que estavam em prática sexual
ilícita, chegaram ao pastor, de forma espontânea confessando o pecado alegando
que não queriam continuar em tal pratica e estavam pedindo ajuda a Deus e a
igreja.
Irmãos que resistiam de forma
agressiva à sua liderança, chegando ao ponto de interromper a sua pregação com
insultos em pleno culto, pediram perdão.
Mas, as portas das finanças ainda
não tinham sido abertas até então. Foi quando o Pr. Gildário chega à sala da
diretoria do Seminário Sertanejo, com um semblante semelhante aos primeiros
dias que o vi quando da minha chegada em Itaporanga.
De forma precavida e prudente convidei-o para sentar
e contar as novidades. Ele desabafou:
- Essa historia de missões é
conversa fiada. Tudo são ilusão e mentira. O dinheiro não chega, as feiras não
chegam. O povo só faz nos enganar...
Depois de ouvi-lo perguntei o que
estava acontecendo de fato. Ele então respondeu: - Estou passando por uma
humilhação muito grande. Peço um real a
um e a outro para que o programa do rádio não acabe.
A igreja tinha um programa em uma
radio comunitária, com duração de uma hora, um dia por semana, o valor mensal
do espaço radiofônico era de cinqüenta reais.
Continuou Gildário a falar:
- Não tem dinheiro para usar o fusquinha do Seminário
Sertanejo.
O nosso fusquinha estava à
disposição de sua igreja. Devido a falta de dinheiro, era costume o Gildário
colocar apenas um litro, às vezes só metade de um litro de gasolina no fusca. O
frentista do posto passou a chamar o carro de zé gotinha.
Ele conclui
de forma pessimista:
- Está tudo errado, eu não sei mais em quem acreditar. Os
homens estão segurando as bênçãos de Deus para a minha vida.
Diante da realidade passei a
tentar leva-lo a uma reflexão lógica: se o dinheiro não vinha já há vários
meses era porque Deus não estava no assunto. E sugeri ao Gildário que
desistisse tanto do programa do radio quanto da ida a zona rural até que a
situação financeira melhorasse. Ele gritou irado:
- Eu não desisto! Se desistir vão me chamar de covarde.
Insisti na analise racional dos
fatos afirmando que não tinha lógica aquela teimosia. O Gildário muito bravo
falou:
- Tem lógica sim. Eu vou
continuar e pode dar o que der. Se desistir irão me chamar de derrotado. Eu não
sou derrotado! Dirão que eu sou covarde. Eu não sou covarde! Deus querendo ou
não querendo me ajudar, EU NÃO DESISTIREI!
Percebi que se tratava de algo alem da razão e da
lógica. Aquietei-me e esperei Gildário se acalmar. Ele, mais tranqüilo ofereceu
algo inesperado para mim. Disse:
- Me compre a rifa
Sem entender perguntei: que rifa? Ele
respondeu:
- A rifa do galo.
Não comprei a tal rifa, mas
fiquei impactado, sensibilizado com aquela realidade.
Escrevi um artigo e coloquei na internet.
O conteúdo está abaixo e explica em detalhes como se deu essa historia do galo:
Você não deve ter ouvido falar
de uma crente que morreu de fome no sertão do nordeste. Infelizmente essa é uma
ponta saliente de um iceberg enorme que se chama Injustiça Sócial e que domina
esse Brasil e de uma forma mais contundente o sertão nordestino.
Essa realidade tem reflexos na
igreja Evangélica Sertaneja. Em muitas delas os dízimos mal chegam a 50 centavos
ou 1 real por pessoa. Dízimo referente ao salário mínimo (hoje em torno de 260
reais), que aposentados e pensionistas recebem, é luxo.
Muitos não vão à igreja porque
não têm uma sandália de dedo para calçar, outros por não terem roupas. Há casos
em que, na mesma família, irmãos se revezam para irem à igreja: um vai num
domingo e o outro no seguinte, já que existe apenas uma roupa de passeio para
os dois.
Nesse contexto temos a igreja
do pr. Gildário que arrecada 170 reais por mês e tem uma saída de 250 reais.
Por causa desse déficit o pastor falou de forma melancólica para as suas poucas
ovelhas que o programa do radio iria se acabar devido não haver condições de
mantê-lo no ar e propôs que cada membro doasse 1 real para ajudar.
Nessa
campanha de arrecadação de dinheiro para pagar a mensalidade do programa do
radio uma irmã do sitio Capim Grosso chamada Lourdes, sensibilizada por está
interessada em continuar ouvindo a palavra de Deus via radio. Para ela era
difícil a ida à igreja todo domingo por causa da distancia de 14 km que tem de percorrer
até a cidade, combinou com Tota, seu marido, para doar um dos poucos galos que
ela tinha no terreiro de sua casa.
Com o galo na mão chegou para o pastor Gildário e
disse: “não quero que o programa de rádio se acabe, receba esse galo. É tudo o
que posso dar, acho que o senhor pode fazer uma rifa dele e que Deus o
abençoe”.
O que é que podemos fazer para que o programa do
rádio não se acabe?
para que as crianças possam ir à igreja com roupas dignas, que os adultos
possam ir calçados aos cultos?.
Nós que fazemos o Seminário Sertanejo da Juvep,
denunciamos, mas fazemos a nossa parte:
·
Atualmente estamos com mais de 45 alunos
recebendo uma formação básica teológica.
·
12 alunos adultos sendo alfabetizados;
·
Trabalhamos a viabilização do “Kit Irrigação”
que tem sido importante para o micro agricultor contemplado, pois tem
possibilitado varias safras ao ano de feijão, arroz e milho;
·
Fazemos pontes e intercâmbios com varias igrejas
parceiras na adoção de alunos e obreiros sertanejos trazendo melhoria salarial,
plano de saúde, bolsa escolar, e etc.
·
Promovemos congressos, cursos, simpósios e
seminários para a reciclagem do líder sertanejo.
Você
pode participar dessa sublime obra missionária.
Isso
lhe fará muito bem.
No amor de
Jesus,
Pr.
Pedro Luis da Silva
Diretor
Quando essa carta
passou a circular na internet o retorno foi imediato. Varias ofertas de
enumeras igrejas, das mais diversas cidades, até fora do Brasil chegaram para
abençoar o sertanejo da região do Vale do Piancó, Sertão da Paraíba, área muito
carente com uma população evangélica ainda pequena, principalmente na zona
rural.
As portas finalmente
se abriram para o pr. Gildário. Nunca mais houve problema com falta de
recursos. Deus passou a suprir. Das
vezes em que houve alguma dificuldade, posteriormente a esse momento marcante,
foi devido a problemas administrativos. Mordomia mal realizada por ele.
Agora, o melhor de tudo foi o que
aconteceu antes da benção material começar a fluir para o Gildário: ele foi liberto
do medo, dos traumas da infância, de ser refém de aparência, a necessidade do
ter hoje é confrontada diariamente, em sua vida com o ser servo a serviço de
Deus.
A libertação mais
importante nele, foi da necessidade compulsiva de consumo numa relação direta
com sua auto-aceitação e segurança em se relacionar com o próximo,
principalmente com o poder aquisitivo superior ao dele.
Melhorou muito o
seu relacionamento com Deus: a ênfase passou a ser de relacionamento pessoal
com o Senhor numa perspectiva mais que ritualística – religiosa. Numa rendição
plena ao Pai Celeste. Ele passou a orar com esse conteúdo:
- Que Deus faça o
que for preciso em minha vida para que eu possa ser livre para servi-lo.
Desiluda-me, arranque de mim o que não Lhe agrada e administre a minha vida sem
reservas.
Um homem livre a caminho da Liberdade maior,
num processo contínuo de crescimento que culminará, inevitavelmente na
glorificação pelo sacrifício da cruz.
Todo esse processo
só é possível na direção do Espírito. Não haveria aproximação minha com o
Gildário que resultasse em libertação, aprendizado recíproco sem a motivação do
Espírito Santo.
Mas só teremos segurança de
nos aproximarmos do outro se formos bem resolvidos com Deus e conosco mesmo. Do
contrário é melhor ficar distante, pois só o servo cura o outro (Mt 12.15-19;
20.25-28; 23.11). O doente adoece o outro.
Enxergamos-nos
e Crescemos na Crise
Só temos a nossa
espiritualidade, santidade, maturidade espiritual provada nas crises. São nas
crises que percebemos o nosso nível de tolerância, paciência, capacidade de
perdoar e pedir perdão, profundidade no relacionamento com Deus, em quais bases
e condições e motivações nos relacionamos com Ele.
É quando a luta
financeira se instaura e o medo do amanhã, da perda de status, numa relação
direta com o ter.
Quando Deus permite
sermos caluniados. Pessoas que se levantam questionando a legitimidade do nosso
ministério, ou profissão, numa insinuação que coloca em duvida a honestidade
pela qual zelamos muito.
Só sabemos de nosso nível
de maturidade quando os nossos tesouros são ameaçados; quando a enfermidade vem
e nos faz sentir o cheiro da morte querendo atingir-nos ou a um ente querido. Provocando
medos e inseguranças que pode nos fragilizar de forma grave.
Como temos reagido às
crises?
Não se mede a
espiritualidade de uma pessoa só pelas suas ações, mas principalmente pelas
suas reações não premeditadas.
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